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Pesquisa analisa não adesão a tratamentos de doenças crônicas não transmissíveis

Por: Pedro Livoratti

Estudo inédito realizado dentro do Programa do Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UEL, demonstrou que pacientes com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes, hipertensão, colesterol e alteração no triglicérides, apresentam dificuldades de aderir ao tratamento, por fatores psicossociais, desconfiança, insatisfação com os serviços de saúde e até pelo estado emocional. O estudo representa a tese de doutorado da professora Poliana da Silva Menolli, egressa da UEL e atualmente professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), com base nos dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Nacional de Medicamentos (PNAUM).

O estudo demonstra que existe um grande hiato na saúde pública do país, uma vez que as DCNT são consideradas doenças silenciosas, responsáveis por cerca de 75% das mortes no Brasil, segundo relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no final do ano passado. Para o orientador da pesquisa, Edmarlon Girotto, do Departamento de Ciências Farmacêuticas da UEL, a resistência do brasileiro ao medicamento está ligada ao fato de que muitos desses males não apresentam sintomas.

“Este é um grande desafio para a saúde pública, junto com mudanças de hábitos para uma dieta saudável e a prática rotineira de exercícios físicos”, comenta o professor. O PNAUM avaliou o uso dos medicamentos de pacientes em cerca de 600 municípios brasileiros. Diante destes dados, a pesquisadora constatou que, quanto menor o tempo de uso, menor a percepção, a adesão e efetividade do tratamento.

Outra revelação do estudo é a percepção dos pacientes em relação aos serviços de saúde. Pessoas insatisfeitas tendem a ter menor adesão ao tratamento contínuo. Ou seja, não basta oferecer o remédio gratuito via SUS, é necessária uma infraestrutura para que o tratamento dessas doenças crônicas chegue a 100% dos pacientes.

Confira a seguir a entrevista da professora Poliana concedida à Agência UEL, sobre as características deste estudo, consequências e sugestões para atenuar o problema de resistência aos medicamentos contra DCNT.

Fatores fazem pressão no momento de decisão de tomar ou não o medicamento, como por exemplo um desconforto físico e que o efeito do tratamento não é tão bom quanto se esperava, define Poliana (Foto: Rafael Menolli)

Agência UEL – Quais as principais causas para pacientes acometidos com hipertensão, diabetes e dislipidemia não utilizarem os medicamentos adequados?

Professora Poliana – A não adesão ao uso de medicamentos por pacientes de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), ou seja, não usar os medicamentos conforme acordado com o profissional de saúde, é um comportamento comum e um problema de saúde pública bastante documentado pela literatura científica, principalmente porque os medicamentos estão entre as principais estratégias para o enfrentamento dessas condições de saúde. Passar a usar um ou mais medicamentos continuamente não é tarefa simples e envolve uma mudança na rotina do paciente, diminuição de sua autonomia e a aceitação de um diagnóstico e um tratamento diário, na maioria das vezes de longo prazo.

O paciente precisa lidar com muitos fatores relacionados à sua saúde e essas condições fazem pressão no momento de decidir tomar (o remédio) ou não. Por exemplo, ele precisa tomar o medicamento sabendo que pode ter que suportar um desconforto, que o efeito do tratamento não é tão bom quanto ele gostaria, que pode durar anos, que se acabarem os comprimidos precisa ir buscar em determinado lugar e em determinada data, que talvez tenha que faltar ao trabalho para ir buscar, que se estiver faltando aquele medicamento no SUS precisa comprar ou ficar com o risco de piorar a sua condição. Que deve se alimentar corretamente para não atrapalhar o tratamento, que precisa diminuir o estresse para pressão arterial não subir, que precisa diminuir o peso. Esses são alguns dos muitos fatores que os pacientes precisam lidar.

Agência UEL – Podemos considerar que se trata de uma cultura enraizada?

Professora Poliana – Fatores psicossociais como crenças sobre doença e tratamento, insatisfação com os profissionais e os serviços de saúde e estados emocionais, desempenham, sim, um papel importante.

A tese buscou entender se a percepção dos pacientes do SUS sobre os medicamentos e serviços de assistência farmacêutica recebidos (localização, horário de funcionamento, disponibilidade de produtos, dispensação de medicamentos, orientação de uso, presença de farmacêuticos) influenciam na não-adesão ao uso de medicamentos para hipertensão, diabetes e dislipidemia.

Usamos dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do uso Racional de Medicamentos no Brasil, a PNAUM, maior Inquérito populacional sobre o uso de medicamentos feito no Brasil até o momento, promovido pelo Ministério da Saúde.

Agência UEL – Quantos pacientes foram ouvidos e onde? O atendimento farmacêutico na rede pública está dentro do esperado?

Professora Poliana – Na tese, foram avaliados 16.491 medicamentos e 2.448 entrevistados de todas as regiões do Brasil. Descobrimos que a percepção é de que o medicamento não funciona bem (ou não funciona como o esperado), que causa desconforto quando utilizado há menos de seis meses. Tudo isso favorece a não adesão aos medicamentos DCNT.

Também chegamos à conclusão de que a maioria dos pacientes está satisfeita com os serviços de assistência farmacêutica, porém os insatisfeitos não aderiram ao uso de medicamentos, demonstrando que a insatisfação com os serviços recebidos contribui para a não-adesão em pacientes de hipertensão, diabetes e dislipidemia.

Descobrimos também que a falta de acesso aos medicamentos pelo SUS contribui para a não-adesão por duas vias diferentes: pela falta do medicamento em si, que impede o uso e porque a falta de acesso é uma das principais causas de insatisfação com os serviços de assistência farmacêutica. Pacientes insatisfeitos são menos aderentes.

Agência UEL – Diante destes dados, o que a senhora defende para enfrentar o problema, ou seja, para ter maior adesão por parte dos pacientes?

Professora Poliana – Os resultados demonstraram que para enfrentar o problema da não adesão no Brasil é preciso garantir acesso a medicamentos gratuitos, seguros, eficazes e de qualidade pelo SUS e a organização de serviços farmacêuticos centrados nas necessidades dos pacientes. Ações que busquem diminuir crenças relacionadas aos tratamentos e dar satisfação aos usuários pelos cuidados farmacêuticos recebidos, cuidados esses que diminuem as dificuldades enfrentadas pelos pacientes durante o uso de medicamentos contínuos.

Avaliações recentes sobre a assistência farmacêutica brasileira apresentam um quadro de grandes diferenças regionais, atividades voltadas principalmente para logística do produto, ainda com problemas de abastecimento e estrutura e que deixam o uso do medicamento sob total responsabilidade dos pacientes. Esse tipo de organização não oferece condições para enfrentar os desafios e diminuir a não-adesão em pacientes DCNT.

Agência UEL – Nas considerações finais do trabalho, a senhora afirma que existem problemas de más experiências e frustrações dos pacientes com os serviços? Como isto pode ser revertido?

Professora Poliana – É preciso que o Governo Federal, estados e municípios invistam na capacitação de recursos humanos, criação de estrutura e equipe apropriada para o atendimento em dispensação de qualidade, com a presença de farmacêuticos, de serviços de acompanhamento farmacoterapêutico e de educação em saúde relacionada aos tratamentos. Hoje, no Brasil, esses serviços de acompanhamento são ainda iniciativas individuais de profissionais e de gestores locais. Precisamos avançar para serviços mais estruturados em uma rede que busque a qualidade no cuidado do paciente em uso de medicamentos, que custam muito caro ao sistema de saúde e aos pacientes. Por isso, é importante que sejam usados corretamente, para que possamos alcançar os resultados clínicos positivos e esperados.