Newton da Costa: o paranaense que revolucionou a filosofia da ciência

“A História é a mais importante das ciências”. A constatação é do físico Erwin Schrödinger (1887/1961), para quem, sem ela (a história), não saberíamos da ciência, como foi pensada, testada ou aplicada por seus protagonistas. A ideia do teórico austríaco nos ajuda a conhecer e entender a trajetória da vida e o resgate da obra do filósofo e matemático paranaense Newton da Costa.

Nascido em Curitiba, em 1929, Newton Carneiro Affonso da Costa criou do zero o que hoje entendemos como a lógica paraconsistente, teoria original que abriu caminho a uma nova concepção para ver e pensar o mundo, levando em conta as contradições. Ele não apresenta apenas uma, mas uma hierarquia de lógicas, infinitas lógicas paraconsistentes, inscrevendo seu nome na Filosofia da Ciência em grande estilo e inspirando muitos pensadores e pesquisadores a desenvolverem vários desdobramentos da teoria. 

Primeira Semana Brasileira de Filosofia, 1952. Newton da Costa é o segundo à direita e Miguel Reale o quinto (Acervo Newton da Costa). Disponível em aqui.

O caminho para se tornar uma referência internacional começa ainda em casa, convivendo com pessoas da família e conhecidos que despertaram no jovem o prazer e curiosidade pelas letras e artes. Formou-se em engenharia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1952, mas ainda estava à procura da verdadeira paixão: a matemática. Para ele, a matemática e a lógica são instrumentos para entender o que é o conhecimento científico. Ao terminar a licenciatura em matemática, virou professor e pesquisador em tempo integral na UFPR, onde concluiu seu doutorado e tornou-se catedrático.

Newton da Costa aos 90 anos.
Disponível em Conexão Ciência

Nos anos 1960, migrou para o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME/USP) e, depois, passou dois anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como professor titular nas duas instituições. Ainda nas décadas de 1960 e 1970, Newton da Costa, primeiro em Curitiba e depois em São Paulo e Campinas, desenvolveu e criou um grupo de pesquisadores que se notabilizaram como grandes lógicos no cenário internacional. A contribuição dele ao sistematizar a paraconsistência é fundamental e muito interessante porque não invalida a lógica tradicional e nem abandona os preceitos clássicos. 

Para dar conta de dilemas e paradoxos, a proposta dele foi trabalhar com situações e opiniões contraditórias, ao invés de descartá-las. Para chegar onde queria, Costa quis estudar a fundo a filosofia como forma de distinguir o que é o conhecimento em geral, se há conhecimento metafísico e, por extensão, o científico. 

Hoje, passando dos 90 anos, Newton da Costa continua ativo, engajado e profundamente apaixonado pela ciência, sendo reconhecido no Brasil e exterior como autor de uma teoria original criada a partir de 1958, mas muito citada e aplicada de 1976 para frente, quando finalmente ganhou o nome pelo qual ficou conhecida, a lógica paraconsistente. Costa passou a ser reconhecido como o ‘pensador da contradição’.

Graças ao seu trabalho e o reconhecimento da comunidade científica, passou por instituições da Austrália, França, Estados Unidos, Polônia, Itália, Argentina, México e Peru, seja como professor visitante ou pesquisador. Possui mais de 200 trabalhos publicados: artigos, capítulos e livros. Entre outros prêmios, ganhou o Moinho Santista e o Jabuti, em Ciências Exatas. 

Capa do livro “Logique Classique et Non-Classique”, editado em Paris, 1997.
Capa do livro “Godel’s way – Exploits into an undecidable world”, editado nos Estados Unidos, 2011.
Capa do livro “Para Além das Colunas de Hércules, uma História da Paraconsistência: de Heráclito a Newton da Costa”, editado no Brasil, 2017.

Inspiração para as novas gerações

Com essa pujante trajetória, não é de se admirar que Newton da Costa continue a angariar a admiração e respeito de pesquisadores do mundo inteiro, mais ainda no seu país e, também, no estado de nascimento. É tamanha a importância que o professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, Evandro Gomes, mostrou essa trajetória no livro “Para Além das Colunas de Hércules, uma História da Paraconsistência: de Heráclito a Newton da Costa”, resultado do doutorado em coautoria com a professora Itala Loffredo D’Otaviano, da Unicamp. 

“O título do livro alude à criação das lógicas paraconsistentes que se assemelha ao trabalho de Hércules, pois diversos autores, especialmente Newton da Costa, foram além dos limites conhecidos da logicidade, abrindo novos horizontes para a humanidade em sua aventura pelo conhecimento”, destaca Gomes em entrevista ao site Conexão Ciência.

O professor da UEM conviveu com o Newton da Costa de 1997 a 2003, período em que fez mestrado na USP. Segundo a pesquisa, o primeiro sistema lógico paraconsistente é apresentado pelo polonês Stanisław Jaśkowski (1906-1965), em 1948. Ele que foi, de fato, o primeiro a formular claramente a ideia da lógica paraconsistente, mas foi Newton da Costa, trabalhando com discípulos de Jaśkowski, quem sistematizou definitivamente as teorias do colega polonês, nos anos 1960 e 1970, ajudando-o a desenhar o pensamento proposto.

O livro, que, às vezes, pode ser confundido com um título sobre mitologia grega, recebeu Menção Honrosa no Prêmio Abeu 2018 e foi finalista, na categoria Ensaio Humanidades, do Prêmio Jabuti 2018.

Para nós do Paraná Faz Ciência, é uma grande honra registrar e reverenciar a trajetória de vida de Newton da Costa, que continua a arrebatar corações e mentes de pesquisadores da mesma forma como fazia há 60 anos. Para além da sua obra, a paixão pela ciência é o seu legado mais inspirador. 

Silvia Calciolari

Jornalista e mestre em Sociologia das Organizações pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).