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Ser mulher no Brasil: um perigo em cada esquina

Estamos no Agosto Lilás. Essa é uma campanha criada em referência à Lei Maria da Penha, que, em 7 de agosto de 2023, completou 17 anos, e surgiu para amparar mulheres vítimas de vários tipos de violência… física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. Este é o símbolo de luta árdua, porque trata de um panorama dramático.

O ano de 2022 foi especialmente difícil para as mulheres no Brasil, visto que todos os indicadores de violência contra elas subiram no ano passado. Apesar da diminuição dos casos de homicídio no país, os casos de feminicídios cresceram 5,5% entre 2021 e 2022. Ainda houve um aumento de 16,9% em casos de tentativas de assassinato de mulheres. A violência doméstica também cresceu, os números saltaram 3,4% em relação a 2021. Além desses dados, houve um aumento de 8,1% em medidas protetivas solicitadas com urgência neste período.

Esse aumento pode ser explicado por várias razões, uma delas foi a falta de investimento em políticas públicas voltadas à prevenção da violência doméstica. Os dados públicos evidenciam que houve um corte de 90% da verba que seria destinada a políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar, além dos investimentos que seriam direcionados às unidades da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres.

A insuficiente injeção de recursos também se reflete na escassa fiscalização das medidas protetivas, o que contribui para que casos de violência doméstica evoluam para feminicídios. Não é raro que vítimas de feminicídio já tivessem obtido medidas protetivas, mas que, sem a devida fiscalização, se tornaram inefetivas.

Outro fator relevante é a grande quantidade de armas nas mãos da população civil, por meio de decretos de flexibilização do acesso às armas de fogo e munição nos últimos quatro anos. A presença de uma arma em um ambiente doméstico aumenta o risco de vida de mulheres, sobretudo daquelas que já se encontram em um ciclo de violência em casa.

Destaca-se também o aumento do movimento conservador que defende a desigualdade de gênero nas relações, além de naturalizar a submissão das mulheres e o uso da violência como forma de dominação e superioridade masculina. Essa ideologia, aliada ao acesso de armas e aos fatores citados acima, pode ser um dos fatores que fizeram os números aumentarem neste período.

Já em relação a 2023 os dados não são otimistas visto que o primeiro trimestre representa quase metade dos feminicídios ocorridos em 2022. O Paraná sofreu um aumento considerável de casos em comparação a 2022, saltando de sexto para terceiro nas estatísticas nacionais. É o que evidencia os relatórios mais recentes do Monitor de Feminicídios do Brasil. A ferramenta, elaborada pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios (LESFEM), identificou 862 casos de feminicídios em todo Brasil, o que configura uma média nacional de 3,32 feminicídios por dia.

Laboratório de Estudos de Feminicídio

O LESFEM é um espaço de pesquisa interdisciplinar que reúne pesquisadoras e pesquisadores, profissionais e estudantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Coletivo Feminino Plural (CFP) e da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de Londrina (SMPM).

Com o intuito de produzir e analisar dados sobre crimes de feminicídios do Brasil, o Laboratório colabora para o monitoramento e visibilidade do fenômeno, além de contribuir para o enfrentamento à violência contra mulheres e meninas, usando como base três pilares: prevenção, punição e restituição de direitos.

Integrante do Laboratório e doutoranda em Sociologia, Beatriz Molari explica como é feita a produção e a análise dos dados sobre crimes de feminicídios no Brasil. “Nós desenvolvemos cinco linhas de atuação distintas para abordar a questão do feminicídio. Por exemplo, a linha de acesso à justiça analisa e acompanha todo o processo de um crime de feminicídio desde a acusação até as diferentes instâncias do julgamento. Nossas pesquisadoras acompanham de perto o processo para avaliar a aplicabilidade da qualificadora de feminicídio. Com base em nossa metodologia, emitimos relatórios que julgam o quanto o resultado do julgamento pode contribuir ou não para fazer justiça considerando o crime de feminicídio”.

Outra linha de atuação é a de coleta de dados sobre feminicídios, que desempenha um papel crucial no monitoramento desses crimes. A coordenadora do LESFEM, Silvana Mariana, comentou que houve um aumento significativo na quantidade de feminicídios divulgados pelas estatísticas oficiais. “No entanto, através do trabalho de coleta de dados, percebemos que muitos casos que não são qualificados dessa forma ocorrem e são tratados de maneira diferente, sem o devido reconhecimento da motivação sexista e machista tão presente na sociedade brasileira. Além disso, temos a linha de atuação focada nos feminicídios linguísticos. Nessa linha, analisamos o discurso patriarcal emitido pelos tribunais de júri e pelos operadores de direito durante a definição dos julgamentos. Investigamos questões morais e ideológicas que podem influenciar nas punições atribuídas aos agressores de mulheres. Em resumo, nosso trabalho abrange diversas áreas, desde o acompanhamento dos processos judiciais até a coleta e análise de dados”.

Outra atividade realizada pelo Laboratório é o monitoramento de dados sobre feminicídios no Brasil, que tem como objetivo identificar e quantificar casos de violência contra a mulher. Beatriz Molari explica como é feita a coleta desses dados. “Essa ferramenta ajuda a localizar reportagens e matérias de crime de feminicídios dentro daquele espaço geográfico estabelecido. Então, por meio dessa ferramenta são emitidos alertas quando são noticiados esses crimes. A nossa equipe de contra dados verifica esses alertas, lê as reportagens e quantifica quantos casos de feminicídios ocorreram naquele período especificado. Então, por meio do monitor, nós queremos oferecer ferramentas para que as estatísticas oficiais sejam comparadas com a realidade que é encontrada pelas nossas especialistas. Infelizmente, estamos vendo casos de subnotificação, casos de feminicídios que são, muitas vezes, noticiados pela imprensa brasileira, mas que não contam com as estatísticas oficiais, porque, infelizmente, nós estamos em uma situação que ocorrem três ou quatro homicídios por dia que é algo preocupante e que deve chamar a atenção.”

Equipe Laboratório LESFEM (Foto/Arquivo Pessoal)

Núcleo de Atendimento de Violência Doméstica na Delegacia da Mulher

Durante a produção desta reportagem, a UEL, por meio de um projeto de extensão, inaugurou no dia 14 de julho, sob idealização e coordenação da professora do Departamento de Direito Privado, Claudete Carvalho Canezin, o Núcleo de Atendimento de Violência Doméstica na Delegacia da Mulher (Nuavidem).

De acordo com informações apuradas pelo O Perobal, a cerimônia de inauguração realizada no Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos (EAAJ) da Universidade foi marcada pela presença de diversas autoridades comprometidas com o enfrentamento à violência contra a mulher, incluindo a secretária de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa, Leandre Dal Ponte.

O Núcleo passa a integrar a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), em Londrina, e fornecerá orientação jurídica com base nas informações fornecidas pelas vítimas de violência, além do encaminhamento aos demais órgãos da rede de enfrentamento à violência contra a mulher, como o Centro de Referência no Atendimento à Mulher (CAM), Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Casa Abrigo e Núcleo Maria da Penha (Numape).

“Nós vamos poder encaminhar ela [já na delegacia] para a rede de atendimento. Então, ela vai poder vir aqui para o Numape sabendo que faremos o processo de dissolução da união e de separação de bens. Além disso, o NEDDIJ [Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude] fará o processo para as crianças terem pensão alimentícia. Se ela sofrer ameaça de feminicídio, nós vamos encaminhar ela para ser colocada no abrigo, onde é sigiloso e ela poderá ficar com os filhos, que não serão prejudicados, pois terão à disposição pedagogos e professores”, explica a coordenadora. “A rede trabalha para o bem-estar dessa mulher, porque o nosso objetivo é que ela saia da violência, que ela denuncie para poder combater, mas que ela tenha segurança”, complementa.

Claudete Carvalho Canezin no EAAJ (Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos) da UEL, onde atua também como Coordenadora do NEDDIJ (Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude) e do Numape (Núcleo Maria da Penha) em Londrina, ambos idealizados pela professora (Foto/Fábio Augusto e Silva)

Financiado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (Seti), o Nuavidem conta com uma equipe composta por sete pessoas que vão trabalhar em conjunto com a Polícia Civil do Paraná. O grupo é formado por duas advogadas, três alunas do curso de Direito e duas de Psicologia.

De acordo com a coordenadora, apesar de ser um projeto piloto, o Núcleo tem potencial para ser expandido a outras cidades, seguindo um caminho semelhante ao do Numape em Londrina, também idealizado por ela. Atualmente, Canezin coordena o projeto em todo o Estado, incluindo a unidade no município, resultando em um total de 11 unidades do Núcleo Maria da Penha espalhadas pelo Paraná. Todos os núcleos são financiados pela SETI.

Aliás, é bom destacar que o trabalho dos Numape vem sendo reconhecido não só por aqui, mas nacionalmente. Durante a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no campus Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, entre 23 e 29 de julho, um projeto de extensão do Núcleo Maria da Penha, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), recebeu o Prêmio Destaque na Iniciação Científica, oferecido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica é concedido anualmente pelo Conselho, desde 2003, e conta com as parcerias da SBPC e da Academia Brasileira de Ciências. O objetivo é estimular e reconhecer os melhores trabalhos de bolsistas que estão iniciando no universo da pesquisa científica.

Segundo uma das coordenadoras, Crishna Mirella, o projeto “Lei Maria da Penha e o enfrentamento à violência doméstica no ambiente escolar” é vinculado ao Observatório de Violência de Gênero da UEM e ao Numape. Dentro do eixo das ações preventivas do Núcleo, surgiu a oportunidade de atuar dentro da escola do Colégio de Aplicação da Universidade. O grupo solicitou bolsas em um edital do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC-Ensino Médio) e foi aprovado. A ação está na sua quinta edição, mas o prêmio é relativo à quarta, que ocorreu entre 2012 e 2022. 

Crishna Mirella, coordenadora do Numape UEM, e a estudante Isabela Mayumi Gondo recebendo o Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica, na 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (Foto/Ana Paula Machado Velho)

Seis estudantes atuaram nesse período no CAP fomentando a discussão sobre a violência doméstica contra mulheres e, também, sobre a violência contra mulheres no espaço escolar. Eram realizadas discussões semanais, que deram origem a bibliografias que foram redigidas em linguagem acessível para a idade das meninas que têm, em geral, entre 15 e 17 anos. Esse material retornou em oficinas que as integrantes do projeto organizaram na escola, na segunda etapa da iniciativa. A última fase foi a produção de materiais didáticos, também acessíveis para os colegas e as colegas, tudo supervisionado pela coordenação para garantir a linguagem de jovem para jovem. 

“Isso é super importante para nós, esse contato com as alunas do ensino médio, porque a linguagem das violências sofridas, a linguagem das tensões, dos medos são traduzidas para a essa faixa etária. Então, para nós é importante esse contato para aprender um pouco com elas também e o grupo consegue, a partir da formação que a gente dá, produzir esse trabalho na escola, nas últimas etapas do projeto”, explica Crishna Mirella. 

O prêmio desta edição foi entregue à estudante Isabela Mayumi Gondo, apesar da ação ter tido a participação de mais cinco alunas do CAP, além de Crishna e da outra coordenadora, a professora Gláucia Brida, da Psicologia. 

Isabela Gondo disse que a experiência a fez ter certeza de que quer cursar Direito e lutar por causas como a das mulheres. “Vou terminar o ensino médio e fazer o vestibular na UEM, porque eu me achei aqui, com a ajuda das professoras”. A estudante recebeu R$ 5 mil e um ano de bolsa de pesquisa, do CNPq.