Cada vez que um pesquisador atualiza seu currículo na Plataforma Lattes, mesmo que inconscientemente, está rendendo uma homenagem a César Lattes (1924/2005), um dos mais famosos e brilhantes cientistas brasileiros de todos os tempos e que revolucionou o estudo da Física no país. Nós aqui do Paraná Faz Ciência também celebramos a vida e a obra de Lattes, ainda mais por um detalhe que nos enche de orgulho e alegria que é o fato de Cesare Mansueto Giulio Lattes ter nascido em Curitiba, no dia 11 de julho de 1924.
Caso tivesse vivido em nossa época, Lattes não teria deixado o Paraná para buscar seu primeiro diploma, aos 19 anos, no departamento de Física da Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo (USP). O brilhantismo e dinamismo do jovem apaixonado pela física e matemática encantaram professores e pesquisadores da época, que o encaminharam para Londres, sem mestrado ou doutorado, para a carreira promissora e inovadora que, hoje, conhecemos e reverenciamos.
Foi a partir da graduação que se revelou a resiliência, a determinação e o espírito inquieto e curioso que todo cientista carece para inscrever seu nome na história da ciência. Aos 23 anos, já morava e trabalhava em Londres integrando a equipe do Laboratório H. H. Wills, Universidade de Bristol, que era comandado pelo físico Cecil Powell (1903/1969). No final dos anos 1940, César idealizou, em La Paz, na Bolívia, um laboratório de Física Cósmica, onde estudou os raios cósmicos. Em pouco tempo, o espaço se transformou em centro científico internacional, abrigando pesquisadores de quase todos os continentes.
Ali, em Chacaltaya, o paranaense testou a hipótese de suas pesquisas e identificou a partícula responsável pelo comportamento das forças nucleares, batizada méson pi (ou píon). Mesmo sendo autor do primeiro artigo sobre a descoberta, na revista científica Nature, o Prêmio Nobel de Física de 1950 foi concedido a Powell, líder do estudo, segundo regras da época da Academia Sueca de Ciências, Fisiologia e Medicina. Em 1946 e 1948, pesquisas em que Lattes participou também já tinham batido na trave no Nobel. Ao todo, foram sete indicações.
Mesmo sem o prêmio, a comunidade científica internacional reconheceu o feito de Lattes, que não desanimou. Dando prosseguimento aos estudos, ele calculou a massa do méson pi e foi trabalhar em Berkeley, na Califórnia. Nos Estados Unidos, ao lado do seu colega norte-americano Eugene Gardner (1913/1950), Lattes identificou as trajetórias dos píons produzidos no acelerador de partículas da Universidade da Califórnia.
Construtor da ciência
Casado com a matemática pernambucana Martha Siqueira Neto, com quem passou 57 anos e teve quatro filhas, César Lattes decidiu, em 1949, rejeitar um convite para se professor de Física, em Harvard, nos Estados Unidos, e fixou residência no Brasil, alternando sua atuação entre Campinas e Rio de Janeiro. Liderando um renomado grupo de cientistas, seu objetivo era ajudar a recuperar o atraso do país na área da Física, já que não havia grandes institutos de ensino, pesquisa e fomento.
Ainda em 1949, Lattes escreveu em uma carta ao colega José Leite Lopes (1918-2006): “Prefiro ajudar a construir a ciência no Brasil do que ganhar um Nobel”. Nessa época, além de fundar o Centro Brasileiro Pesquisas (CNPq) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Lattes chamou Hideki Yukawa para a colaboração Brasil-Japão de Raios Cósmicos (CBJ). O físico japonês foi o vencedor do Nobel de Física, em 1949, pela sua previsão teórica. Assim, Lattes começava a carreira do professor e pesquisador em solo brasileiro.
Para quem deseja conhecer mais detalhes da personalidade e das façanhas deste paranaense, a trajetória de César Lattes está contada em livros, documentários e vídeos, que marcam a relevância dele para o desenvolvimento da ciência no Brasil. De todos os materiais disponíveis na internet, um vídeo publicado no canal do CBPF traz um raro registro de uma palestra de Lattes, no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) com o amigo e pesquisador José Leite Lopes, realizada em 1995.
Ao ouvir e ver como pensava, podemos ter a certeza da importância que fez o CNPq e seus pares ao nomearem, em 1999, de Plataforma Lattes a ferramenta virtual que transformou completamente as atividades de fomento, gestão, planejamento e avaliação do fazer científico no Brasil. Atualmente, o site reúne cerca de sete milhões de currículos e informações de aproximandamente 40 mil grupos de pesquisa.
Hoje, é possível encontrar o nome de César Lattes em bibliotecas, laboratórios e até em ruas, como em Campinas e Rio de Janeiro. No Paraná, Curitiba e Maringá também já o homenagearam. Mesmo sem Nobel, com certeza, Lattes fez muito pela ciência no Brasil, servindo de inspiração para tantos pesquisadores, agora e para sempre.
De tudo, fica apenas a fina ironia do destino: César Lattes morreu em 2005 sem ter montado o próprio ‘Lattes’.